“Quo Vadis” espumantes nacionais?

Mind the Glass

No passado mês de janeiro, na Charming House de Cedofeita, organizei, em conjunto com o Agostinho Peixoto, uma prova cega dedicada à temática dos espumantes nacionais. Neste evento, frequentado por mais de 35 pessoas, foram provadas 13 referências com diferentes proveniências (Bairrada, Vinho Verde, Douro, Beira Interior e Távora-Varosa), com tempos de estágio que variaram entre 1 e 10 anos.

O espumante preferido foi o Vértice Gouveio 2008 (96.29 pontos), seguido de perto pelo Murganheira Grande Reserva Assemblage 2002 (94.68 pontos) e em terceiro lugar, o Caves S. Domingos Lopo de Freitas Bruto 2012 (94.45 pontos). Os resultados foram perentórios e não deixaram margem para dúvida, os espumantes preferidos pelos participantes tinham entre 5 e 10 anos de estágio.

Este desfecho não surpreende quem tem vindo a acompanhar os lançamentos das diferentes referências que, ao longo do ano, os diferentes produtores vão realizando. De facto, o trio que compôs o pódio é constituído por espumantes de grande qualidade e não defraudariam ninguém numa prova cega com referências de outros países com mais pergaminhos no mercado mundial das “bolhinhas”.

Questões prementes e os diferentes contextos

No final da prova ressurgiram velhas perguntas que havia formulado há muito e que, em surdina, ecoavam cada vez mais alto: se os espumantes nacionais, com tempos prolongados de estágio, têm tão elevada qualidade e tão boa receção pelo público, qual é a razão para os produtores não investirem mais nesse segmento? Será que não há mercado nacional ou até mesmo internacional? Valerá a pena apostar em espumantes com tempos de estágio mais curtos?

Para melhor responder a estas questões importa conhecer alguns factos relacionados com o setor. Nos últimos anos, este tipo de vinho sofreu uma grande transformação na utilização pelo consumidor. Devido à grande plasticidade evidenciada, os espumantes deixaram de ser consumidos, quase unicamente, em dias festivos para se apresentarem diariamente em todos os momentos, e ocasiões, das refeições diárias.

Desta forma, no período compreendido entre 2004 e 2014 o valor das exportações aumentou dos 2,7 para os 4,6 mil milhões de euros e o volume exportado cresceu dos 364 para os 754 milhões de litros em 2014. Não admira, portanto, que os produtores nacionais queiram uma fatia deste apetecível mercado mundial.

Em 2014, os 3 maiores exportadores de espumante, em volume, no mundo eram a Itália (32%), França (25%) e a Espanha (24%) e representaram mais de 80% do total. No entanto, em valor, os números são muito diferentes. Muito embora, a França tenha exportado 25% do volume total, o valor associado foi cerca de 57%, enquanto a Itália representou 18% e a Espanha cerca de 9%. Os valores são ainda mais impressionantes se pensarmos que só Champanhe era responsável por 52% do valor com um volume de apenas 14%. No total representaram cerca de 84% do valor.

Para ficarmos com uma ideia mais aproximada da realidade, a zona de Champanhe com os seus 15 800 produtores distribuídos por 33 805 hectares produziu, em 2016, 268 milhões de garrafas cujo valor ascende a 4,7 biliões de euros!

No entanto, estes números poderão ensinar-nos que a quantidade não é sinónimo de valor, pois os países que mais produzem (Itália e Espanha), não são os que mais lucram, como é o caso de França e particularmente de Champanhe.

Nos últimos anos, talvez para contrariar esta tendência, a Espanha e a Itália desenvolveram esforços para obter um maior reconhecimento internacional.

No país vizinho foi, recentemente, criada a denominação: “Cava de Paraje Calificado” para tentarem escapar à reputação internacional de baixo preço e baixa qualidade à qual estão unidas as cerca de 244 milhões de garrafas produzidas em 2015. Esta nova designação está ligada a vinhos provenientes de uma vinha com pelo menos 10 anos e que originará cavas envelhecidas por um período não inferior a 36 meses. Apenas 9 produtores foram autorizados a ostentar a nova designação.

Em Itália, a revolução começou em 2009 quando a área de produção do “Prosecco”, tradicionalmente ligada às colinas entre Conegliano e Valdobbiadene, próximas de Veneza, foi elevada a “Denominazione di Origine Controllata e Garantita” (DOCG), enquanto a nova zona de “Denominazione di Origine Controllata” foi estendida pelas planícies do Veneto e Friuli, em torno do Adriático. Em suma, a zona tradicional produzirá vinhos em solos pedregosos pré-Alpinos de encosta, em 2019, 83 milhões de garrafas enquanto as planícies férteis de aluvião produzirão 500 milhões.

E em Portugal?

O nosso país apesar de produzir espumantes há mais de 100 anos apenas produziu, em 2014, um volume de 0,2% do volume total, o que corresponde a 0,3% do valor integral. Uma gota no oceano de bolhas mundial. No mesmo período, o nosso país exportou 1,8 milhões de litros no valor de 12,9 milhões de euros.

O espumante nacional, embora tenha vindo a crescer nos últimos anos, ainda representa menos de 0,6 % do total de vinho produzido no ano de 2014. Em 2017 a produção foi de 9.346 hl e representou um aumento de 9,4% face ao ano anterior.

Ainda assim, a questão mantêm-se: qual o caminho a percorrer para a afirmação dos espumantes nacionais?

A resposta parece simples. O nosso país não conseguirá competir em termos de volume e preço baixo como fazem a Espanha, Itália, Alemanha, Brasil, Áustria e tantos outros que almejam uma fatia de mercado. O único caminho viável, na minha opinião, talvez seja a aposta na qualidade para vender com valor acrescentado e para isso há que apostar em tempos de estágio mais alargados, talvez mais do que 5 anos. Bem sei que o custo do imobilizado será elevado mas para colher há que semear.

 

Artigo inicialmente publicado na revista Paixão pelo Vinho nº 71.

 

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