Quinta da Carolina: o novo de regresso ao velho mundo

Mind the Glass

Odette Khan, editora da “Revue du Vin de France”, no final da mítica prova de vinhos que ficou conhecida como o “Julgamento de Paris”, dirigiu-se a Steve Spurrier e pediu a devolução das suas fichas de prova. Depois de uma breve troca de argumentos, Spurrier negou o pedido e pediu ao seu estagiário para guardar todas as fichas de prova na “Académie du Vin”, da qual era proprietário na época.

Aparentemente, Odette Khan não ficou satisfeita ao saber que os vinhos das castas Cabernet Sauvignon e Chardonnay, originários da Califórnia, foram os preferidos quando comparados com os vinhos Franceses em prova cega.

As muitas histórias associadas ao “Julgamento de Paris” já foram amplamente dissecadas e conhecidas ao longo dos mais de quarenta anos desde que o evento teve lugar, no entanto, existem algumas particularidades bastante interessantes que se relacionam com Portugal.

Os vinhos da Freemark Abbey Winery e os seus virtuosos enólogos

Nesta prova houve apenas uma empresa da qual foram escolhidas duas referências diferentes, refiro-me à Freemark Abbey Winery e os vinhos escolhidos foram um tinto e um branco. Esta empresa tinha uma longa história no vale de Napa, no entanto, só conseguiu algum reconhecimento quando os dois sócios recrutaram Brad Webb.

Este fazendo-se valer os seus conhecimentos como enólogo conseguiu que os vinhos da empresa fossem rapidamente reconhecidos pela grande qualidade apresentada. Ainda assim, a ação que os catapultou  para o estrelato foi a contratação, inicialmente por três dólares à hora, do então jovem e recém-formado enólogo, Jerry Luper.

A dupla Brad e Luper rapidamente alcançou a fama quando lançou para o mercado a colheita de Cabernet Sauvignon de 1967, mas o reconhecimento nacional ocorreu quando a colheita de Chardonnay de 1969 foi classificada como extraordinária pela publicação “Robert Finigan’s Private Guide to Wines”. A colheita de 1972, que participou no “Julgamento de Paris”, produzida pela mesma dupla, estava ao mesmo nível da de 1969.

Jerry Luper: da Califórnia para a Quinta da Carolina

Muito embora o sucesso alcançado, Luper saiu da Freemark Abbey e foi substituir o já sobejamente conhecido Mike Grgich no “Chateau Montelena”. De 1972 a 1993, Luper também exerceu funções como enólogo na “Diamond Creek Vineyards” com bastante sucesso. Os vinhos da casta Cabernet Sauvignon foram as primeiras referências da Califórnia a ultrapassar a barreira psicológica dos cem dólares por garrafa.

No ano de 1993 saiu dos Estados Unidos da América e estabeleceu residência em Portugal. Teve uma breve passagem pela empresa Carvalho, Ribeiro e Ferreira, no Ribatejo. Em 1996 foi convidado para integrar a Real Companhia Velha, na qual teve um fulgurante desempenho.

Numa das suas viagens, Jerry e a sua mulher Caroline, descobriram uma propriedade com cerca de 7 hectares, próxima do Pinhão, capaz de realizar os seus sonhos. Em 1997, Luper adquiriu-a e resolveu atribuir-lhe o nome “Quinta da Carolina” em honra à sua esposa. Desde logo reabilitaram a casa quase em ruína, preparando-a para a produção de vinho.

A fase Jerry Luper: 1997-2008

Muito embora a aquisição da quinta tenha sido em 1997, o primeiro vinho realizado por Luper ocorreu apenas em 1999. Esta referência resultou de um lote com mais de dez castas diferentes e foi engarrafa em 2001. O vinho acabou por ser comercializado em 2002 no mercado europeu e norte-americano, por 50 dólares, através dos contactos estabelecidos ao longo dos anos. Curiosamente, o vinho foi provado por Steve Spurrier que escreveu uma crítica extremamente elogiosa na revista “Decanter”. Ao longo dos anos seguintes conseguiria obter notações acima de 90 pontos.

No início do ano de 2019 tive a rara oportunidade de provar a quase totalidade dos vinhos desta fase. Apesar da passagem do tempo e das notas terciárias evidentes, o Quinta da Carolina de 1999 ainda apresentou alguma fruta e corpo suficiente para ser prazeroso à mesa.

Curiosamente, os vinhos desta fase apresentam vários traços em comum, especialmente as notas de pimentos, a acidez elevada, a fruta compotada e o final longo.

Percebo bem os elogios de Steve Spurrier e a atribuição das notas elevadas da revista inglesa.

A fase Cândido da Silva: 2008 até à atualidade

No Verão de 2008, a família Cândido da Silva compra a propriedade ao casal Luper, que entretanto, decidiu abandonar Portugal.

Logo nesse ano decidem fazer algo quase inédito no nosso país mas relativamente comum noutras latitudes. Como as vindimas se aproximavam a passos largos e as colheitas de 2004, 2005 e 2007 ainda se encontravam armazenadas em grande número e ameaçavam não deixar espaço para a nova colheita, a família decidiu lançar para o mercado um vinho denominado “Cândido” que resultou da junção das três colheitas. Uma manobra arrojada mas que se viria a revelar acertada pois libertou espaço na adega e foi um sucesso comercial.

Concomitantemente, contrataram os serviços do prestigiado enólogo Jean-Hughes Gros para assumir as rédeas da enologia da Quinta da Carolina.

As colheitas de 2006, 2008, 2009, 2010 e 2011, que correspondem aos anos dos serviços do enólogo francês, apresentaram-se no mercado com perfil um pouco diferente. Os aromas a pimentos já não se encontravam mas em compensação os vinhos eram mais extraídos, a barrica era mais evidente e os taninos mais presentes. No entanto, nunca saíram de um registo comedido para a época. As colheitas mantiveram, tal como no período anterior, a acidez elevada e o aroma caraterístico a fruta vermelha.

O ano de 2012 marca a entrada de uma nova geração da família na conceção e realização dos vinhos na Quinta da Carolina.

O jovem enólogo, Luís Pedro Cândido, que depois de se tornar engenheiro agrícola e estagiar em diferentes empresas vínicas na Nova Zelândia, Alemanha, África do Sul e Portugal, assumiu as rédeas da enologia.

A entrada do enólogo marca uma nova etapa na vida desta propriedade. Os vinhos apresentam-se com uma cor bastante mais aberta, menos intensos aromaticamente mas muito mais precisos com distintas notas de fruta na qual a madeira tem um papel secundário.

Na minha opinião, os vinhos da Quinta da Carolina estão numa das fases mais interessantes da sua história, o enólogo tenta exprimir o local imprimindo uma enologia com caráter e irreverência.

É muito provável que o casal Luper, caso deseje visitar a quinta, se reveja no trabalho de recuperação da Quinta da Carolina, bem como na identidade dos vinhos.

Fontes:

– Salvador, José, (2007) Portugal vinhos – Cultura e tradição: As rotas dos vinhos do Porto, do Douro e de Trás-os-Montes, Circulo de Leitores, Rio de Mouro.

– Taber, George, (2006) O Julgamento de Paris: Califórnia X França: a histórica degustação que mudou o mundo do vinho, Elsevier Editora, Rio de Janeiro.

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