As festas organizadas por Genoveva de Lima, entre 1920 e 1940, na cidade de Lisboa, eram muito frequentadas pela elite nacional e internacional. Algumas delas ficaram na história devido ao grande arrojo e superior encenação que a anfitriã conferia aos seus festejos.
Uma das mais famosas teve como temática o continente africano. Veva de Lima, como também era conhecida, ordenou a todos os empregados que se pintassem com graxa e vestissem uma tanga de pele de leopardo para fingir que eram negros. Quando os convidados chegavam ao seu palacete, alugado aos condes de Anadia, tocava um grande gongo e eram anunciados um a um. De seguida, tinham de subir a escadaria, atapetada com peles de tigre e decorada com escudos e lanças de caça, na qual os empregados se encontravam alinhados e empunhavam archotes a indicar o caminho.
Noutra ocasião festiva mandou armar tendas no jardim, no qual gostava de passear um leopardo pela trela oferecido pelo irmão, e contratou uns figurantes com trajes árabes montados em cima de camelos que pediu emprestados ao circo que estava de visita à cidade.
Muitas das vezes, a lista de presenças incluía várias centenas de pessoas: o conde de Anadia, a condessa de Santar, os condes da Lousã, o duque de Palmela, António Ferro, Afonso Lopes Vieira, membros da família Van Zeller, Pinto Basto, Ulrich, os embaixadores de Espanha, Inglaterra e Alemanha, entre muitos outros.
Veva de Lima foi uma mulher à frente do seu tempo para o contexto português de então, usava uma longa boquilha para fumar e tinha vestidos que deixavam um ombro destapado. Passados mais de 80 anos, não podemos deixar de apelidar o seu estilo de vida como: glamoroso, exótico e até excêntrico.
Curiosamente, se nos inteirarmos da forma como eram obtidos os vinhos nas décadas de 20, 30 e 40 vamos encontrar um paralelismo com o estilo de vida de Veva de Lima, ou seja, quando comparados com os da atualidade, os vinhos de então parecem ter sido obtidos de forma exótica, excêntrica e glamorosa.
As primeiras décadas do século XX
Muito antes de aparecerem os atuais vinhos provenientes de uma única quinta, vinha ou até parcela, com que nos deliciamos à mesa ou a solo, o consumidor dos anos 20, 30 ou 40 apenas conhecia algumas marcas que as diferentes caves de vinhos, implantadas na região da “Bairrada” e em outras localizações, vendiam.
É exatamente nessas décadas que as caves começam a multiplicar-se, especialmente, na “Bairrada”. Na década de 20 foram fundadas as Caves S. João, as Caves Messias, as Caves Aliança, as Caves Valdarcos, entre outras. Na década seguinte apareceram as Caves Borlido, as Caves Neto Costa e as Caves do Solar de S. Domingos. Mais tarde, as Caves Aliança, as Caves da Montanha, entre muitas outas que o fio do tempo, entretanto, deixou pelo caminho.
Estas empresas dedicavam-se, maioritariamente, à venda de vinhos a granel em diferentes formatos, no entanto, inicialmente, algumas delas vendiam garrafas de espumante produzidas de acordo com o método champanhês com o nome do comprador bem visível no rótulo.
Os melhores vinhos tintos, denominados “Garrafeira” ou “Garrafeira Particular”, que iam para o mercado eram obtidos misturando os vinhos da “Bairrada” com outros das mais variadas proveniências como, por exemplo: Dão, Douro, Ribatejo ou Trás-os-Montes. Estes eram vinhos capazes de resistir à passagem do tempo de forma garbosa.
No entanto, com o passar dos anos as diversas regiões foram adestradas através de peças jurídicas que as delimitaram e proibiram o livre loteamento de uvas provenientes de diferentes denominações. Todos os produtores que pretenderam ver os seus vinhos reconhecidos através das câmaras de provadores da região de origem tiveram de abandonar as práticas de loteamento inter-regional.
No entanto, há um produtor que teimosamente continua a resistir a convenções e espartilhos.
Buçaco: os vinhos imunes à passagem do tempo… e das convenções.
No ano de 1917, Alexandre de Almeida, criou os Vinhos do Buçaco depois de constatar, através das suas viagens pela “Côte D’Azur”, que muitos hotéis produziam os próprios vinhos.
Rapidamente encontrou, para o vinho tinto, uma dupla ganhadora: Baga, da zona que mais tarde viria ser denominada como Bairrada, e Touriga Nacional, da então recente DOC Dão. Para o vinho branco recorreu igualmente às duas regiões, mas desta vez escolheu a Encruzado, a Bical e a Maria Gomes, a primeira do Dão e as duas últimas da “Bairrada”. Nasciam, assim, dois dos vinhos mais icónicos do nosso país.
Com o passar dos tempos, a fama dos vinhos foi crescendo, mas por escolha própria nunca foram divulgados, nem tão pouco vendidos fora das ombreiras das portas do Hotel Palace do Bussaco. Para provar os vinhos, as pessoas teriam de se deslocar ao hotel, era o que faziam os reis, as rainhas e os inúmeros chefes de estado. Os vinhos do Buçaco tornaram-se objetos de culto limitado a uma pequena elite.
Em 1979 foi criada a DOC Bairrada e com ela terminaria a liberdade de criar lotes inter-regionais. No entanto, os vinhos do Buçaco não seguiriam essa determinação e continuariam a ser feitos da forma como foram pensados há cerca de 100 anos.
Atualmente, os vinhos Buçaco apresentam uma aura de exotismo, excentricidade e “glamour”, tal como Veva de Lima.
Fontes:
– Castro, Pedro (2011), Os anos mais loucos da alta sociedade em Portugal, in Revista Sábado, Sociedade.
– Pinto, Mário; Chambel, António; Homem-Cardoso (1998), Enciclopédia dos Vinhos de Portugal: Os vinhos da Bairrada, Chaves Ferreira-Publicações, Lisboa.
– Martins, João Paulo (2016), Histórias com vinho & outros condimentos, Oficina do Livro, Alfragide
– Martins, João Paulo (2018), Mais histórias com vinho & novos condimentos, Oficina do Livro, Alfragide