O ano de 2021 fica marcado pelo “novo normal” na vida dos portugueses e do mundo em geral. As vacinas foram o abre latas fundamental para ultrapassar um verdadeiro ano de chumbo e o uso generalizado da máscara talvez tenha vindo para ficar.
Para ficar e apreciar também é notório o aumento na qualidade dos vinhos nacionais. De Norte a Sul, passando pelas ilhas, fizeram-se excelentes referências e algumas delas agigantam-se cá dentro e piscam o olho aos mercados externos.
O nosso país vive um momento vínico verdadeiramente dourado, na sua já longa existência. Para os enófilos é uma fase opípara e realmente inebriante.
Dos brancos atlânticos, passando pelos continentais até à aliança da tradição com a modernidade
As escolhas deste ano revelam novas abordagens e confirmam novos produtores. Em primeiro lugar surge a confirmação (já antes o produtor dos vinho Vadio tinha lançado no mercado um vinho semelhante), sobre o método de “solera” como um caminho possível, e de grande qualidade, capaz de aportar valor acrescentado aos espumantes nacionais ou pelo menos da Bairrada.
Em segundo lugar, os rosés nacionais vieram para ficar durante o ano todo. A ideia comummente enraizada da bebida, mais ou menos açucarada, de verão para beber ao final da tarde ou no início das lânguidas refeições da estação mais quente do ano, terminou. Os rosés nacionais, de cor cada vez mais aberta, são encarados de forma muito séria pelo produtor e, acima de tudo, pelo consumidor para fazerem companhia à gastronomia nacional.
A terceira ideia relaciona-se com a constatação da superior qualidade dos vinhos brancos nacionais. Aos já mundialmente famosos “brancos atlânticos“, oriundos das ilhas e de uma estreita faixa à beira mar plantados, baseados nas castas Alvarinho, Arinto, Bical, Maria Gomes e outras, terão de se juntar os “vinhos continentais” oriundos do Dão e Douro. As castas Viosinho, Rabigado, Encruzado e Malvasia Fina, também merecem igual reconhecimento internacional e consolidação nacional. O céu é o limite.
Nos tintos, a tradição aliou-se à modernidade. O icónico Barca Velha continua a ser uma referência nacional pautando uma região. A letargia do Dão há muito que ficou no passado, a região está firmemente ancorada nas castas autóctones e aposta em vinhos com perfis que lhe trouxeram autenticidade e reconhecimento: elegância e capacidade de envelhecimento.
A Bairrada continua em profunda reconfiguração e a casta Baga é a rainha incontestável, mas agora os perfis são agora mais variados e encontramos referências alicerçadas num passado de vinhas muito velhas, com uma enologia moderna e respeitadora da natureza. O resultado está à vista de todos os “bagófilos“, os vinhos são agora mais domados, mais elegantes, mais profundos e mais prazerosos muito mais cedo. É uma região apaixonante e virada para o futuro.
Uma última palavra para a região dos Vinhos Verdes que ganha um renovado fôlego. Muitos consumidores pensam apenas nos vinhos brancos, no entanto alguns produtores tentam retomar a centenária produção dos afamados vinhos tintos da região (que não pintavam a malga) e que eram expedidos pela barra da cidade de Viana de Castelo, em direção a Inglaterra, França e outras paragens. Mais uma vez, a tradição encontra-se aliada à modernidade.
As minhas 12 escolhas do ano refletem as considerações anteriores e , na minha opinião, representam o que de melhor se fez no panorama vínico nacional.
Os Melhores do Ano
Espumantes
Filipa Pato & William Wouters Espumante Nossa Solera Extra Bruto
Este espumante é um Bruto Natural e resulta de um lote de 7 bases de espumante de colheitas distintas, todos estagiados em barrica, e cuja segunda fermentação, já em garrafa, ocorre com recurso à tradicional rolha de cortiça, ao invés do vedante metálico. É um vinho absolutamente distinto e elegante. Uma excelente estreia completamente imperdível.
Rosés
Kopke Winemaker ́s Collection Tinto Cão Reserva Rosé 2020
Este rosé realizado com a casta Tinto Cão revela uma acidez vibrante e muita cremosidade. O final longo permite uma boa panóplia de harmonizações à mesa. Pura elegância. Absolutamente incontornável.
Brancos
António Maçanita Vinha Centenária Branco 2019
Este vinho apresenta múltiplas camadas de aromas e sabores… a mar. Num primeiro plano mostram-se as algas, a salinidade, a cera de abelha e a mineralidade. Em plano complementar revelam-se os leves aromas a fruta cítrica e as especiarias. No palato revela fruta cítrica, salinidade e acidez cortante. Um grande vinho ainda muito jovem e austero.
Giz Vinhas Velhas Branco 2020
Este vinho mostra, num primeiro plano, aromas florais, fruta cítrica, sal, biscoito, mineralidade e fruta de caroço. Num segundo plano mostram-se as especiarias e a manteiga. O palato revela fruta cítrica e de caroço muito fresca bem ligada a uma acidez cortante, biscoito, especiarias, sal e alguma manteiga. Um vinho de perfil austero e ainda jovem, mas de grande complexidade.
Guru NM Branco
Um vinho marcado pelos aromas a flores, fruta cítrica, fruta de caroço, baunilha e mineralidade. Num segundo plano mostram-se leves aromas melados e manteiga. O palato mostra fruta muito fresca e uma acidez marcante que contrabalança a untuosidade e a baunilha.
Irequieto Branco
Este vinho apresenta várias camadas de aromas, num primeiro plano apresentam-se as flores, a fruta cítrica e a mineralidade. Complementarmente mostram-se as especiarias, a salinidade, algum lácteo e uma ténue evolução. No palato, a fruta muito fresca, texturada e especiada bem ligada com a acidez bem marcada, mas nunca agressiva, fazem desta referência um “must” de elegância e caráter. A não perder.
Paço dos Cunhas Vinha do Contador Grande Júri Nobre Branco 2015
Este vinho mostra, num primeiro plano, aromas a fruta de caroço, especiarias, biscoito e pedra molhada. Num plano complementar revelam-se os aromas a barrica, manteiga e alguma evolução. No palato confirma-se a fruta de caroço muito fresca e especiada. O final é quase interminável. De perfil invulgar e exótico na região. Um grande, grande vinho branco do Dão. Impressiona grandemente os sentidos. De categoria mundial.
Tintos
Barca Velha Tinto 2011
Neste vinho destacam-se os aromas a fruta vermelha, especiarias, fruta preta e alguma evolução. O palato mostra fruta texturada e fresca, devido aos taninos e à acidez bem presentes, especiarias e um final longo. Uma referência ainda jovem, estruturada de perfil poderoso e elegante. O clássico dos clássicos está de volta… com estrondo. Talvez seja uma das melhores 10 melhores edições de sempre.
Casa de Santar Oito Parcelas Single Estate Tinto 2012
Este vinho apresenta aromas pouco intensos a fruta vermelha, especiarias, fruta preta, evolução e algum vegetal. No palato revela-se a fruta fresca vermelha e preta, levemente texturada, muito bem ligada com especiarias. O fascínio dos aromas levemente evoluídos mesclados com a fruta elegante é inebriante. O lote resultou num vinho extremamente elegante e profundo. Pura seda. Um vinho absolutamente extraordinário capaz de ombrear com o melhor que se encontra no mercado. O Dão no seu melhor.
Niepoort Lote D Tinto 2017
Aromas a fruta vermelha, sangue, mineralidade, leves especiarias e leve evolução. O palato mostra fruta vermelha, alguma salinidade, especiarias e leve textura conferida pelos taninos. A acidez muito equilibrada confere uma prova surpreendentemente elegante e longa. Um vinho muito elegante, sedoso e cheio de caráter. Esta é uma Baga absolutamente incontornável para qualquer apreciador a casta.
Filipa Pato & William Wouters Nossa Tinto 2016
Aromas a fruta vermelha, leves especiarias, fruta preta, mineralidade e evolução. O palato mostra fruta preta e vermelha fresca e texturada. Um vinho muito profundo e profundamente elegante ainda com muita vida pela frente. Esta referência mostra bem a qualidade e capacidade da casta Baga para realizar vinhos de classe mundial.
Zafira Vinha da Rocha Tinto 2019
Aromas a fruta preta muito fresca, especiarias, alguma barrica e muita mineralidade. O palato mostra igualmente fruta preta e especiarias. A elevada acidez, o álcool baixo e os taninos sedosos contribuem para uma prova muito elegante, sedosa, intensa e altamente viciante. Um excelente vinho de um jovem projeto que honra um passado glorioso e perspetiva um futuro brilhante. A não perder.
Enóloga do Ano
Filipa Pato
Filipa Pato é natural de Óis do Bairro, uma localidade próxima de Anadia. Tal como o pai, Luís Pato, também cursou engenharia química na Universidade de Coimbra e rapidamente percebeu que o vinho estaria umbilicalmente ligado à sua vida.
Antes de se dedicar às castas da Bairrada, e ao seu projeto pessoal, correu mundo para aprender como se faziam os vinhos de Bordéus, em França, Mendoza, na Argentina, e Margaret River, na Austrália. A experiência amealhada além fronteiras compaginada com a que tinha na família resultou, em 2001, no lançamento do seu primeiro vinho.
Inicialmente, centrou-se na busca de uvas de vinhas velhas adquiridas em Óis do Bairro, Silvã, Cantanhede e Sangalhos. No entanto, rapidamente mudou o foco e foi adquirindo inúmeras propriedades com vinhas muito velhas capazes de expressar o “terroir” bairradino.
Nas incessantes viagens de promoção que fez pela Europa e pelo mundo, acabou por conhecer William Wouters, um renomado escanção belga, com quem casou em 2008.
Filipa Pato esteve na génese da criação do grupo “Baga Friends” que, desde 2010, integra alguns produtores de charneira da Baga. Desde então, o reconhecimento da casta na realização de vinhos de classe mundial ultrapassou definitivamente a fronteira nacional para também se instalar no estrangeiro.
Em 2014 fixaram-se em definitivo na Bairrada e o projeto conheceu uma nova dinâmica e tem crescido de forma sustentável. Atualmente, conta com cerca de 15 hectares de vinhas, repartidos por Óis do Bairro e Silvã, e ainda compra uvas a outros viticultores para espumantizar.
O foco do casal centrou-se nas castas tradicionais da Bairrada, Baga, Bical, Arinto, Cercial e Maria Gomes vinificadas com recurso a leveduras indígenas, lagares em madeira, ânforas e aos princípios da biodinâmica.
Em suma, vinhos autênticos que espelham de forma fiel a Bairrada.
Projeto Vínico do Ano
Textura Wines
A Textura Wines é um projeto familiar iniciado em 2018, no Dão, nas encostas da Serra da Estrela e envolve a viticultura biológica, produção de vinhos de terroir e enoturismo. Os vinhedos compreendem 22 hectares em 7 parcelas diferentes em Vila Nova de Tazem e em Penalva do Castelo (Castendo).
Em Vila Nova de Tazem, as vinhas estão instaladas em solos pobres graníticos em altitudes entre 480 e 550m e originam vinhos brancos e tintos mais leves e delicados. Em Matela, zona extrema de Penalva do Castelo, a vinha está instalada entre os 560 e 620 metros desde 2002, em solos pobres, de granito e quartzo.
Todos os vinhos refletem as castas tradicionais do Dão e uma expressão única de diferentes “terroirs” e uma enologia de pouca intervenção, liderada pelo enólogo Luís Seabra.