Quem me conhece sabe bem que não me furto a provar um vinho ou um conjunto de vinhos às cegas. Na verdade, gosto de provar quase tudo dessa forma: produtos hortícolas, peixes, cerveja, carne maturada e tudo o mais que possa ser comparado.
No passado mês de novembro organizei uma prova cega que já tinha em mente há uns anos: tintos do ano de 2011. Os vinhos dessa colheita atingiram um patamar quase mítico entre os enófilos, especialmente depois das distinções das revistas nacionais e estrangeiras da especialidade. Relembro que os vinhos Cryseia e Quinta do Vale Meão ficaram em 3º e 4º lugar, respetivamente, no “top 100” de 2014 da revista “Wine Spectator”. Relembro também que o vinho do Porto Dow’s Vintage 2011 arrebatou o 1º lugar. Um ano que ficará no pináculo da história vínica nacional, pelo menos para já.
Refletindo sobre os resultados
Depois de escolhidos os vinhos, o restaurante e os intervenientes publicou-se a média aritmética das notas que foram recolhidas através das folhas de prova distribuídas pela dezena de participantes no jantar.
Ao analisar os resultados obtidos não pude deixar de reparar que os vinhos Herdade do Mouchão Tonel 3-4, Quinta das Bágeiras Garrafeira, Herdade do Mouchão e Château Mouton Rothschild obtiveram 97,5; 97,33; 95,33 e 94,83, respetivamente. A pergunta que formulei imediatamente foi: Como é que foi possível o Mouton ficar atrás daqueles três vinhos que custam uma fração do seu preço?
Para percebermos melhor o porquê da minha questão importa saber que o Châteaux Mouton Rothschild custa, no mercado Português, cerca de 600 Euros, enquanto o Herdade do Mouchão Tonel 3-4 pode atingir os 150 Euros. O Herdade do Mouchão custa cerca de 60 Euros e o Quinta das Bágeiras Garrafeira pode atingir os 45 Euros.
O desfasamento de preço é de tal forma evidente que o vinho Português que mais se aproxima custa quatro vezes menos, enquanto o mais barato custa treze vezes menos!
Não seria suposto o vinho mais caro ser qualitativamente melhor? Se não o é, o preço deve estar negativamente desajustado? Provavelmente sim mas a resposta deve ser devidamente contextualizada.
O contexto Português
Ao analisar as estatísticas fornecidas pelo sítio Pordata, referente aos rendimentos familiares, ficamos a saber que, em 2016, dos 5 milhões de agregados familiares Portugueses quase 1 milhão e meio auferiram um rendimento bruto anual de 19 mil euros. A estes factos podemos acrescentar que, no nosso país, o ordenado mínimo é de 580 Euros brutos e auferem este valor cerca de 627 000 assalariados, o que corresponde a cerca de 20 % do total.
Mediante estes valores percebemos que a disponibilidade orçamental, de uma boa parte das famílias nacionais, será cerca de pouco mais de mil euros mensais para fazer face a todas as despesas familiares.
Partindo desta situação podemos considerar que as famílias dificilmente poderão comprar com regularidade vinhos de 30, 45 e 150 Euros. Em suma, as referências com um preço mais elevado dos produtores nacionais muito dificilmente terão cabimento em, pelo menos, 30% dos agregados familiares nacionais.
Com facilidade estes vinhos serão considerados como um produto caro por este tipo de agregados familiares nacionais.
O contexto internacional
Os vinhos portugueses há muito que deixaram de ser apenas vendidos no nosso velho retângulo à beira mar plantado. Em 2000, segundo dados do Instituto da Vinha e do Vinho, foram exportados 60214 hectolitros de vinho com denominação de origem mas em 2017 foram 597594 hectolitros.
Este enorme incremento nas exportações relembra-nos que os vinhos nacionais competem, diariamente, nos diferentes mercados mundiais. Esta competição desenrola-se em múltiplos níveis: qualidade, posicionamento e, entre outras, preço.
Quanto ao preço existem múltiplo fatores que têm de ser considerados, como por exemplo: o custo da terra; grau de mecanização; custo da mão-de-obra; rendimento e seleção das uvas; equipamento da adega, custo das barricas; tempo de envelhecimento; embalagens; custos de transporte, entre outros.
O Châteaux Mouton Rochschild faz parte de uma restrita elite que compreende apenas cinco produtores classificados como “Premier Cru Classé” e encontram-se em Pauillac, uma das zonas mais exclusivas de Bordéus para a produção de vinho.
As vinhas, constantemente monitorizadas e tratadas, assemelham-se a um cuidado jardim e produzem algumas das castas mais renomadas do mundo: Cabernet Sauvignon, Merlot, Cabernet Franc e Petit Verdot. Na época das vindimas toda a produção é apanhada e selecionada à mão antes de ser encaminhada para a produção de vinho.
A adega, com cem metros de comprimento e vinte e cinco de largura, alberga cerca de mil barricas, muitas delas novas, para estagiar o precioso conteúdo. As garrafas apresentam, em cada colheita, um rótulo desenhado por artistas conceituados do passado e presente: Miró, Chagall, Picasso, Tápies, Dali, Koons, entre outros.
Como é evidente, os vinhos nacionais não apresentam algumas das características do vinho anterior, no entanto, quando temos o Monton Rothschild e, por exemplo, o Quinta das Bágeiras Garrafeira servido às cegas, em copos iguais, à mesma temperatura e nos deparamos a preferir o vinho nacional, não podemos deixar de considerar que é um vinho muito barato. Em suma, o adjetivo caro ou barato depende do contexto.
Artigo inicialmente publicado na revista Paixão pelo Vinho nº 73.