Em 2017 Luísa Amorim e o marido, Francisco Rego, decidem recuperar um complexo de casas e edifícios agrícolas devolvendo vida a um lugar situado precisamente na fronteira entre o Alto e o Baixo Alentejo. A Herdade da Aldeia de Cima é uma propriedade de grande dimensão, com uma enorme extensão de sobro e azinho, ou não se tratasse de uma herdade de montado. Uma boa parte da Serra da Mendro (cerca de 1750 hectares) estão incluídos na propriedade que se divide por dois concelhos e dois distritos. Parte da herdade está situada em Portel, distrito de Évora (onde se situada a adega) e outra parte está situada na Vidigueira, distrito de Beja, onde se encontra a maior parte da vinha. Uma curiosidade que contribui muito para a sua diversidade e para a sua peculiaridade.
A Luisa conhecia bem este Alentejo diferente, por onde foi tantas vezes conduzida pela mão do seu pai Américo Amorim, e lembrava-se bem também dos frescos e sedosos vinhos alentejanos anteriores à invasão das castas internacionais.
O gosto por estas terras e por este perfil de vinhos ia dando lugar ao sonho de aqui produzir os seus próprios vinhos, plantando vinhas em áreas da herdade que não possuíssem sobreiros. Queria plantar castas típicas ou perfeitamente adaptadas à região, mas queria plantá-las também em altitude, tirando partido das boas características que daí se podem obter. Uma espécie de inovação na continuidade.
E foi nessa sequência que desafiou Jorge Alves a fazer uns vinhos com forte tipicidade alentejana, texturados e frescos, com castas típicas e com recurso a uma enologia que permitisse exprimir correctamente o terroir, uma enologia que “deixasse falar a região”.
Se a experiência corresse bem, partiria para a construção de uma adega através da recuperação de um antigo armazém, preservando assim a arquitectura típica do local, e para a plantação de vinha.
Com a ajuda de produtores amigos e vizinhos (Cortes de Cima e Rocim) meteram mãos à obra e produziram os seus primeiros vinhos, com uvas provenientes de parcelas situadas em Estremoz, Portalegre e Vidigueira. A experiência não poderia ter corrido melhor, e o sonho de Luisa começava a ganhar forma.
Era tempo de desenhar e plantar as vinhas. Foram projectadas 4 vinhas, duas para 2019, a Vinha dos Alfaites no ponto mais alto da Serra do Mendro (412 metros) e a Vinha da família no Planalto do Mendro em Santana, com apenas um hectare de vinha mesmo à entrada da adega, em vaso, e só e com castas mais tradicionais como a Diagalves, Moreto, Perrum, Tinta Caiada e Tinta Miúda.
Para 2020 estão pensadas a Vinha de Sant’Anna, no planalto do Mendro em Santana, com 2 hectares de vinha e as castas Roupeiro e Perrum, e a Vinha da Aldeya, também no Planalto do Mendro em Santana, com 4 hectares de vinha e as castas Antão Vaz, Arinto, Alvarinho e Aragonês. Nesta herdade não existe planície, só planalto e serra.
A Vinha dos Alfaiates foi a primeira a ser plantada e aquele relevo acidentado, atravessado pela Ribeira dos Alfaiates, inspirava à implantação de um modelo único e singular no Alentejo. Falamos de 14 hectares de vinha cultivada em função das curvas de nível do solo, com declive de 30 a 40% de altitude, cotas de 300 a 390 metros, exposições solares ideais e uma amplitude térmica invulgar, essencial para imprimir frescura ao vinho. As castas escolhidas foram a Trincadeira, o Alicante Bouschet, o Antão Vaz, o Aragonês, o Alfrocheiro e um bocadinho de Baga.
A Baga e o Alvarinho previstos para os encepamentos, foram pensados em pequenas quantidades e apenas para corrigir lotes.
Esta é assim a primeira vinha em patamares tradicionais de 1 bardo no Alentejo, que usufrui de uma panorâmica estonteante entre o Alto e o Baixo Alentejo. É algo de muito improvável que se tornou realidade. É caso para dizer, “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce”!
O passo seguinte foi a construção da adega, tendo terminado mesmo a tempo desta última vindima de 2019. É uma adega destinada à produção de 100 a 120 mil garrafas ano e equipada com diferentes depósitos para fermentação e estágio, como barricas de carvalho francês de 500 lts, balseiros, turtles (ânforas produzidas em Itália, moldadas em pó cerâmico sobre uma estrutura de fibras naturais) tinajas em terracota e cubas em cimento Nico Velo. Aqui procura-se qualidade em detrimento da quantidade. Procuram-se texturas, mineralidade dos solos, antiguidade, história e tradição.
Marcada pelo encontro entre o passado e o futuro, esta adega pequena, simples e funcional, instalada num edifício tipicamente alentejano, vai proporcionar uma enologia de intervenção mínima, onde se pretende evidenciar a complexidade e heterogeneidade dos solos e o diferente carácter das micro parcelas e castas.
Para quem já visitou esta herdade, e eu tive a sorte de lá ter estado no âmbito de um evento que nunca mais irei esquecer, tal era a alegria contagiante e energia positiva que emanava de toda a equipa, é fácil perceber todo o encantamento e felicidade que envolvem este projecto.
Estar no cimo daquela vinha em patamares, com Beja no horizonte e Vila de Frades mesmo ali aos pés, foi um momento verdadeiramente desconcertante e repleto de magia. Foi um momento tão mágico que eu só me lembrava da música dos Queen – A kind of magic – “One dream, one soul, one prize, one goal…”.
Mas os momentos mágicos não se iriam ficar por aqui. De regresso à casa principal da herdade, fomos recebidos por um grupo de Cante Alentejano que cantou para nós sob um pôr do sol maravilhoso enquanto o José Avillez nos preparava uns finger food deliciosos e provávamos o Aldeia de Cima Reserva Branco 2017. Foi um momento tocante.
Os restantes vinhos foram servidos durante o jantar, também ele muito especial. Tudo muito bem organizado. A qualidade na simplicidade.
Este é um projecto que vou querer seguir de perto. Espero com ansiedade pelos vinhos produzidos com uvas desta herdade, que se esperam lá para 2023 ou 2024. A ver pelos que estão a ser produzidos com uvas provenientes de parcelas situadas fora da herdade, pela qualidade da equipa e a genuinidade que envolve todo o projecto, certamente que irão ser grandes vinhos.
Herdade da Aldeia de Cima…I have a crush on you!
Aldeia de Cima Reserva Branco 2017 – Produzido a partir das castas Arinto (33%), Alvarinho (33%) e Antão Vaz (34%), provenientes da Vidigueira, este branco apresenta um nariz com notas de citrinos maduros, flor de laranjeira e ameixa branca. As notas provenientes da madeira são muito suaves, dado que os nove meses de estágio em barrica ocorreram maioritariamente em madeira usada (80%). Na boca a suas notas varietais também se fazem sentir, nomeadamente a casca de laranja. Destaca-se a sua forte untuosidade e largura de boca, tornando-o num vinho cheio, redondo e harmonioso.
Aldeia de Cima Reserva Tinto 2017 – Feito a partir das variedades Trincadeira (40%), Aragonez (30%) e Alfrocheiro (30%) e com uvas vindas de parcelas situadas na Vidigueira, Estremoz e Portalegre, este tinto permite-nos imergir completamente no Alentejo. Estagiou em diferentes tipos de depósitos como barricas de carvalho francês de 500lts, 30% usadas e 20% novas, 30% em cimento e 20% em tinajas de barro. Seco, suave e sedoso, revela a fruta em perfeita combinação com as notas de especiarias. Complexo e elegante, possui grande finura de boca e um bom caracter gastronómico. Um belíssimo exemplar alentejano.
Alyantiju Branco 2017 – Um vinho de tese nas palavras de quem o fez e eu concordo inteiramente. Trata-se de um extreme de Antão Vaz vindimado no momento certo, depois da espera pela maturação aromática e fenólica. Fermentou em barricas novas de carvalho francês de 500 lts, durante 9 meses. O nariz ainda se mostra algo fechado e revela evidentes notas tostadas. Pimenta branca, citrinos maduros e pedra molhada também se fazem sentir. Na boca é uma verdadeira explosão de prazer. A sua amplitude e profundidade, em conjunto com a sua frescura e a sua acidez vibrante conferem-lhe uma prova de boca marcante e colossal. Eu não sou muito fã de vinhos com uma presença da madeira tão notória, mas não consegui ficar indiferente a este Antão Vaz pleno de charme e elegância.
Alyantiju Tinto 2017 – Produzido exclusivamente a partir da casta Alicante Bouschet este tinto remete-nos para um Alentejo intemporal e sofisticado. Mostra-se preto e opaco, quase impenetrável à luz. Vivo nos taninos, bastante especiado e generoso na acidez, tem tudo para se converter num sedutor nato, capaz de entusiasmar desde o primeiro momento. Um dos seus melhores vinhos de sempre, nas palavras de Jorge Alves, é um Alicante Bouschet complexo, profundo e desconcertante. Poderoso e tenso mas simultaneamente macio e sedutor. O final de boca marca pela frescura quase inacreditável e pela sua pujante persistência.
OLGA CARDOSO