No nosso país poucas castas despertam tantas emoções como a Baga. Existem alguns enófilos que não percebem o fascínio que esta casta exerceu, e continua a exercer, sobre muitos outros que, simplesmente, a adoram. De facto, a Baga, quando jovem, é difícil e frequentemente apresenta tantos taninos que fazem qualquer um lançar uma série de esgares muito feios, tal é a sensação na boca. A elevada acidez associada à Baga, principalmente àquela oriunda da Bairrada, também afasta o consumir em geral que pretende um vinho mais adocicado e redondo para acompanhar as refeições. Estes dois fatores associados tendem a delinear uma imagem um pouco negativa da casta.
No entanto, para os amantes da Baga nada disto os detém. Eles sabem que o fator tempo é decisivo. O ato de guardar as garrafas por 10, 15 ou mais anos faz parte de uma longa espera que culminará na degustação de um vinho que, provavelmente, será sumptuoso e inigualável.
A maioria dos enófilos guardam histórias mirabolantes de um amigo “bagófilo” que tem por hábito afastar as primeiras garrafas da fila nas prateleiras dos supermercados e das garrafeiras, onde está escrita a palavra Bairrada, em busca de uma ou outra muito mais antiga que, eventualmente, terá ficado esquecida.
Os fãs da Baga são capazes de cometer absolutas loucuras, aos olhos do comum dos mortais, para obter uma garrafa desta casta. Os “Bagófilos” apresentam uma incansável capacidade para fazerem centenas de quilómetros só para comprar um exemplar de um determinado ano ou produtor. Nos leilões são capazes de disputar um lote até ao bater do martelo só porque este era constituído por algumas garrafas da casta com dezenas de anos.
Mesmo depois de esgotado o conteúdo de uma garrafa, o “Bagófilo” é capaz de guardar indefinidamente o recipiente como recordação. É comum preservarem, por exemplo: um Gonçalves Faria Especial Tonel 5 de 1990 , um Frei João dos anos 60, a primeira colheita de Luís Pato, um Casa de Saima dos anos 80 ou 90, a primeira garrafa dos “Baga Friends”, um Buçaco antigo…
Os “bagófilos” têm nas suas garrafeiras (termo lato que pode significar a superfície que fica por baixo da cama ou outro espaço mais ou menos adequado para o longo estágio a que a casta obriga), dezenas de garrafas de produtores que guardam religiosamente.
Se, por acaso, um dia tiverem uma dúvida sobre a casta basta perguntar a um “Bagófilo” para ficarem esclarecidos e informados sobre quase tudo: produtores de referência, anos de excelência, solos argilo-calcários, Ancas, Aguim, Cantanhede, Cordinhã, Ourentã, São Lourenço do Bairro, Baga com e sem engaço, capacidade de envelhecimento da casta, Gonçalves Faria, Dores Simões, plasticidade da casta, Buçaco, dinastia Pato, grupo dos oito, toneis preferidos por produtor, armazenistas do passado, Frei João, ódio ao Marquês de Pombal, etc.
Em suma, o “Bagófilo” é um verdeiro apaixonado pela casta Baga e por tudo o que a ela está relacionada.
P.S: a crónica original foi publicada no blog “Contra-Rótulo” em 7/10/2016.