The Next Generation: A nova geração de enólogos portugueses.

Mind the Glass

No ano de 1958 corria um lânguido mês de agosto na Califórnia quando um autocarro da “Greyhound” parou entre duas esquinas da cidade de Santa Helena, situada no Vale de Napa. Do seu interior desceu apenas uma figura magra e baixa encimada por uma boina preta, que mais tarde se tornaria na sua imagem de marca. Chamava-se Mike Grgich. Da bagageira retirou apenas duas malas que albergavam todos os seus pertences: muitos livros, poucas roupas, um certificado de nascimento e um visto norte-americano.

Ao avistar um telefone levou a mão à algibeira do casaco, no qual trazia o número de telefone do dono das “Souverain Cellars”, e correu para lhe ligar. No entanto, devido ao adiantado da hora, Leland Stuwart só o foi buscar no dia seguinte. Mike teve de encontrar um quarto de hotel para passar a primeira noite na terra do tio Sam.

Muito provavelmente, antes de adormecer, ainda sonhou acordado com a possibilidade de encontrar uma propriedade, a um bom preço, para iniciar o seu projeto vínico pessoal.

Tal como Mike Grgich, também a maioria dos jovens enólogos de todo o mundo sonham, mais cedo ou mais tarde, com a produção dos seus próprios vinhos delineados milimetricamente  e que, com muito trabalho e dedicação, se tornarão ícones mundiais.

No entanto, este desafio, quase digno de Sísifo, é um desiderato difícil de alcançar. Para além de terem de fazer opções iniciais difíceis tais como: o local de produção das uvas, o método de produção, escolha das castas, construção de adega, escolha de rótulos, rolhas e ainda mais um número infinito de outras, terão ainda de escolher qual a melhor estratégia de marketing para dar a conhecer ao mundo os seus néctares.

Se a primeira tarefa parece difícil, a segunda não será mais fácil porque, como já sabemos, não basta ter vinhos de qualidade, é preciso saber vende-los e é aí que muitas vezes falha o projeto.

Uma das formas tradicionais de promoção e, por vezes, venda de vinhos, é a participação em eventos vínicos. No entanto, os dividendos retirados neste tipo de iniciativas nem sempre são inequívocos. Se, por um lado, a grande dimensão dos eventos não permite a visibilidade pretendida destes pequenos projetos, que na maioria das vezes são poucos conhecidos da generalidade dos participantes e, por outro lado, o elevado esforço financeiro tende a afastar quem se encontra na fase inicial do desenvolvimento de um projeto vínico.

Sabendo destes constrangimentos iniciais para os jovens projetos vínicos, e com o aproximar do segundo aniversário do grupo “Wine & Stuff”, decidi organizar um evento comemorativo no qual se pudessem mostrar alguns dos novos projetos nacionais (até 9 anos) que, num futuro próximo, poderão impor-se no panorama vínico nacional.

Para a primeira edição do “The Next Generation”, realizada no jardim da Charming House Cedofeita, no Porto, foram escolhidos 12 produtores provenientes de diversas denominações de origem com referências de alta qualidade.

De Trás-os-Montes estiveram presentes os produtores “Head-Rock” e Romano Cunha. O primeiro está situado em Vidago e mobiliza cinco hectares. Estes foram divididos em talhões por casta e altitude, sendo que a exploração se inicia à cota de 450 metros e termina nos 750 metros. A empresa tem inúmeras referências de qualidade provenientes das castas Alvarinho e Gouveio nos brancos. Para os vinhos tintos usa Touriga Nacional, Touriga Franca, Tinta Roriz e Syrah.

O segundo produtor desta região, Romano Cunha, tem duas figuras de proa: Mário Cunha e Raul Pérez. O proprietário apostou que a sua vinha, com cerca de 13 hectares, situada na proximidade de Mirandela e implantada num solo granítico a uma altitude que varia entre os 400 e os 500 metros, poderia produzir vinhos de grande qualidade. As castas predominantes usadas nos vinhos são: Tinta Amarela, Touriga Nacional, Tinta Roriz, Bastardo, Malvasia Fina, Gouveio e Códega de Larinho.

A região do Vinho Verde esteve representada pelo vinho Zafirah e pelas referências do grupo “Vinho Verde Young Projects”. A marca Zafirah é produzida pelo enólogo Constantino Ramos e procura reviver as antigas tradições dos vinhos descritos no século XIII, na região de Monção, e posteriormente enviados, entre os séculos XIV e XVI para Inglaterra, servindo como substituto dos vinhos da Borgonha.

Os “Vinho Verde Young Projects” foram criados em Junho de 2015 e apresentam como filosofia principal o retorno às raízes para criar vinhos inspirados pelos seus antepassados. Joana Santiago é a cara do projeto da família da Quinta de Santiago desde 2009. Esta situa-se em Monção, na sub-região de Monção e Melgaço, e produz alguns dos mais interessantes vinhos provenientes da casta Alvarinho. João Camizão Rocha, produtor de quarta geração, trabalha 9 hectares de vinhas próprias na sub-região de Amarante e produz a referência Sem Igual desde 2012, tendo por base as castas Arinto e Azal. A jovem empresa familiar que abraçou a produção de vinhos Vale dos Ares, a partir da casta Alvarinho, é liderada por Miguel Queimado e está localizada na Quinta do Mato, no coração da sub-região de Monção e Melgaço. O produtor Vasco Magalhães tem a sua quinta na área de Baião, perto da região demarcada do Vale do Douro e engloba 40 hectares de vinhas. A sua família produz vinho há sete gerações. No entanto, foi somente em 2008 que criaram a marca de vinhos Cazas Novas tendo por base a casta Avesso.

A região do Douro esteve representada por quatro marcas de jovens produtores: Cinética, Cortes do Tua, Somnium e Titan of Douro. Henrique Cizeron é médico veterinário, mas cedo trocou o mundo animal pelo vegetal. Há cerca de um ano, foi criada a Cizeron Wines, envolvendo a marca Cinética (Douro) e Toroa (Nova Zelândia), reunindo os diferentes vinhos produzidos em quantidades residuais ao longo dos últimos anos. Uma visão de dois “terroirs” diametralmente opostos, num projecto próprio que inclui referências e influências distintas. A Cortes do Tua Wines surge do cruzamento entre vinhas velhas do vale do Tua e a mão de dois jovens enólogos: Ana de Almeida e Duarte da Costa. As vinhas estão situadas na margem esquerda do rio Tua, na sub-região do Douro Superior, em pleno coração da Região Demarcada do Douro. As videiras, em regime de produção integrada, aliadas a um solo xistoso e a um microclima único são o ponto de partida na produção dos vinhos de excelente qualidade. As referências Somnium nascem de uma vontade partilhada para fazer vinhos pouco intervencionados, provenientes de castas tradicionais plantadas em altitude de vinhas muito velhas. Este é um projeto recente, no Douro, mas há muito tempo que foi pensado pela dupla de enólogos Joana Pinhão e Rui Lopes. Os vinhos Titan of Douro são produzidos pelo enólogo Luís Leocádio e têm origem na Serra do Reboredo, a 1.000 metros de altitude, em Paredes da Beira, no ponto de maior altitude do Douro. Rodeada de afloramentos rochosos, a zona tem solos de granito arenoso entrecortados por filões de quartzo.

Do Dão tivemos a presença dos vinhos do António Madeira, luso-descendente, com raízes profundas na Serra da Estrela. Este produtor começou a fazer vinhos em 2010 depois de se ter mudado de armas e bagagens para Portugal. Atualmente cultiva 23 lotes de vinhedos em 6 locais diferentes, totalizando 6 hectares.

Desta região também contámos com a presença de Patrícia Santos que nos trouxe o vinho Rosa da Mata, proveniente da zona de Santa Comba Dão, sendo um exemplar da casta Alfrocheiro. Esta referência é o culminar de um duplo sonho antigo: lançar um vinho com marca própria capaz de mostrar toda a paixão que a enóloga tem à região e uma homenagem à sua avó.

Da Bairrada, Luís Gomes, cujo passado está ligado à bioquímica e ao empreendedorismo, que abandonou, para se dedicar por inteiro a uma região que considera a melhor do mundo para a elaboração de vinhos de qualidade. O projeto vínico assenta na recuperação de vinhas velhas centenárias nas quais predominam a Baga e a Maria Gomes. Os vinhedos estão plantados em solos pobres de natureza calcária e proporcionam a construção de vinhos únicos e inconfundíveis.

Da região de Lisboa, Hugo Mendes, é reconhecido no mundo vínico pelas convicções fortes com que apresenta as suas opiniões e pelos vídeos que vai colocando nas redes sociais, que usa como ninguém. Hugo Mendes tem sido a perfeita personificação de um verdadeiro “one man show” vínico, caso exista um. O seu vinho mais reputado, Lisboa, teve como base uma experimentação com as castas Fernão Pires e Arinto tendo em conta a acidez da primeira e a estrutura da segunda.

Todos estes jovens projetos aspiram, tal como Mike Grgich aspirava, a serem catapultados para o estrelato internacional através de uma prova cega, ou não, realizada em Paris, ou noutra capital qualquer, e que possa também revolucionar definitivamente a forma como os vinhos nacionais são percecionados além-fronteiras.

Fotos: Carlos Figueiredo

Artigo inicialmente publicado na revista Paixão pelo Vinho nº  72

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.