O calendário marcava o dia 19 de maio de 1683 quando Silvestre Migueis Rosano guardou a caneta com que fez uma série de assinaturas que selaram o seu destino como Juiz da Alfândega de um povoado, com pouco mais de 300 pessoas, denominado Figueira da Foz do Mondego. Este napolitano estava longe de imaginar que o seu recente cargo seria ocupado por seis gerações de familiares que guindariam o porto do povoado para importantes exportações de vinho de uma região que viria a ser posteriormente conhecida como “Bairrada”.
Muito embora as trocas comerciais proporcionadas pelo porto desde o início do século XVII, ou talvez até um pouco antes, tenham emprestado uma dinâmica de forte desenvolvimento ao povoado, foi apenas no final do século XVII e início do século XVIII, com a influência do napolitano na condução dos destinos do porto, é que o tráfego de navios começou a fazer-se com muito mais intensidade.
A primeira época dourada da exportação de vinhos
No ano de 1697 foi registado um facto importante na vida do porto de Figueira da Foz do Mondego e na vida da região envolvente. As primeiras 217 pipas de vinho foram embarcadas num navio com destino a Inglaterra. No ano seguinte, o número subiu para 236, e em 1703, ano do tratado de Methuen, o número ascendeu a 440 pipas de vinho. No ano de 1704, o número de pipas embarcadas seria de 908. Curiosamente, neste ano, seria nomeado um vice-cônsul Inglês para a Figueira da Foz do Mondego com o intuito de proteger os comerciantes que entretanto se começaram a instalar-se no povoado.
No ano de 1707, o número caiu para 83 pipas de vinho, mas no ano seguinte voltaria a subir para 875. O ano de 1712 seria marcado pelo registo do envio das primeiras 118 pipas de vinho para Lisboa. O mercado externo também continuava exultante, ao longo dos anos 1712 e 1713 foram exportadas para Inglaterra 1323 pipas de vinho.
O porto da Figueira da Foz fervilhava com o comércio realizado pela foz do Mondego e não dava sinais de abrandar. No triénio compreendido entre 1720 e 1722 foram expedidos através da alfândega uma média de 1119 pipas de vinho.
O ano de 1723 foi grandioso para o porto da povoação, sempre crescente, e para a região envolvente. Pela primeira vez exportaram-se pipas de vinho para a Holanda. No final desse ano as expedições para Inglaterra, Holanda e Lisboa cifraram-se nas 1118 pipas.
No triénio composto pelos anos: 1727, 1728 e 1729 foram enviadas, em média, 1217 pipas de vinho. Este era produzido nos arredores da povoação e na atual Bairrada. A região e o porto atravessavam um primeiro período verdadeiramente dourado na sua história.
Talvez fruto do sucesso da exportação para diferentes países e para a capital do império, muitos dos agricultores da zona envolvente à Figueira da Foz, e da “Bairrada”, tendo em vista um maior lucro e para corresponderem à procura, começaram a substituir os campos de cereais por vinhedos.
As flutuações nas expedições e limitações do porto da Figueira da Foz
Entre 1732 e 1737, as remessas caíram para uma média anual de 440 pipas de vinho. O ano de 1735 ficaria também marcado pelo facto de um comerciante residente na Figueira ter começado a exportar para Inglaterra. Entre 1838 e 1843 a média das expedições através da alfândega voltaria a cair para uma média de 134 pipas de vinho. Ainda assim, a França e a Holanda nomeariam representantes para o povoado em 1740.
Até 1764, a média das expedições anuais manter-se-ia em 240 pipas de vinho. Um número já longe do século anterior. No entanto, uma tempestade de acontecimentos viria assombrar o cada mais diminuto contingente de barcos que transportavam as pipas para paragens mais longínquas.
O Marquês de Pombal mandaria arrancar os vinhedos das margens e campinas dos rios Vouga e Mondego, nos anos de 1765 e 1766. Mais tarde, em 1768, proibiria igualmente o envio de vinhos da “Bairrada” para Lisboa e Europa do Norte.
Foi um rude golpe para as famílias que alicerçavam os seus rendimentos na produção de vinho. Ainda hoje, uma parte da população Bairradina não bebe “uma tacinha” à saúde do Marquês de Pombal.
Entre 1768 e 1822 não houve registo oficial de exportação de vinhos através da barra da Figueira da Foz e até 1867 poucos barcos entrariam na barra para carregarem algumas pipas, juntamente com outros mantimentos, tendo como destino: Lisboa, Londres, Brasil, Alemanha e Açores.
O dia 4 de maio de 1834 marcou a extinção do cargo de Juiz da Alfândega do porto da Figueira da Foz do Mondego, extinguiu-se igualmente o “reinado” da família Rosano à frente dos destinos da alfândega que ocuparam durante seis gerações. Foi o culminar de um longo período negro.
No entanto, as expedições de grandes volumes de vinho voltariam em força, devido ao ataque da filoxera em Bordéus e no Douro. Em 1871 seriam exportados 26 820 litros de vinho. O valor cresceria até atingir a bonita cifra de 7 028 980 litros exportados em 1885.
O porto da Figueira da Foz, entretanto elevada a cidade, e a região envolvente, viviam mais um momento áureo da sua história.
O final do século XIX e início do século XX marcou a história do porto da cidade pela dificuldade crescente dos navios de grande arqueação e calado entrarem na barra do Mondego para carregarem e descarregarem as mercadorias. O problema já não seria novo, pois desde 1842 que havia planos para a conservação e aumento do porto, mas nunca saíram do papel e os problemas foram-se agravando à medida que os barcos iam aumentando a sua envergadura.
Em 1889, os vapores deixaram de acostar junto da anciã alfândega da cidade para carregarem as barricas com o vinho. e em 1903 a barra esteve fechada, durante algum tempo, devido à instabilidade física do porto.
Muito embora, até ao início do século XX, o porto da Figueira da Foz tenha vivido situações muito estremadas é inegável a função que desempenhou no desenvolvimento dos vinhos da região.
Fontes:
– Pinto, Mário; Chambel, António; Homem-Cardoso, António (1998), Enciclopédia dos Vinhos de Portugal: Os vinhos da Bairrada, Chaves-Ferreira Publicações, Lisboa.
– Prata, Ana (2011), Políticas portuárias na I República (1880-1929), Caleidoscópio, Casal de Cambra.
– Rocha, António (1893), Materiales para a história da Figueira nos séculos XVII e XVIII, Casa Minerva, Figueira da Foz.
– Viegas, Manuela (2016), A alfândega da Figueira da Foz: aspectos históricos in Revista Aduaneira [ALFÂNDEGA]
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