Mind the Glass

Os denominados “Orange wines” são vinhos que, desde 2001, têm ganho inúmeros adeptos, tanto enólogos como enófilos, a nível mundial. A fama cresceu de tal forma que se tornaram recorrentes os “wine bars” e eventos vínicos unicamente dedicados a este tipo de vinhos em cidades como Nova Iorque, Tóquio ou Londres.

Muito embora a notoriedade seja largamente reconhecida por milhões, os “orange wines” estão longe de agradarem a todos os enófilos. As técnicas enológicas pouco interventivas usadas na realização destes vinhos são o principal argumento favorável mas é igualmente usado na mesma medida pelos principais refratários que lhe apontam defeitos evidentes.

O que é um “orange wine”?

O termo, cunhado por David Harvey em 2004, é usado para designar vinhos brancos onde as uvas foram deixadas em contato com as películas e restante parte vegetal por dias, semanas ou mesmo meses. Deve ser fermentado com leveduras selvagens, em cubas abertas e sem controlo de temperatura. Na prática este é um vinho branco feito como se fosse um tinto. O resultado difere não apenas na cor, desde amarelo escuro até âmbar, mas também é marcadamente mais intenso no nariz e no palato.

Porquê tanta notabilidade?

Para alguns enófilos a notoriedade associada a estes vinhos poderá estar associada a uma técnica enológica inovadora e radical. No entanto, não podiam estar mais longe da realidade.  Boa parte advém da longa e rica história associada a estes vinhos.

Em meados dos anos 90, Stanislao Radikon e Josko Gravner, dois produtores de Oslavia, Norte de Itália, buscavam uma metodologia menos interventiva enologicamente. Radikon adotou por um contacto prolongado da pele das uvas, já usado pelos seus antepassados. Gravner, por sua vez, optou pelas técnicas ancestrais usadas pelos viticultores georgianos que produziram vinho em qvevris (ânforas de argila em forma cônica, enterradas no chão) durante pelo menos 5.000 anos.

Estes produtores, ao escolherem estas metodologias de vinificação, rapidamente foram englobados no movimento mundial dos vinhos naturais, iniciado Rudolph Steiner, Masanobu Fukuoka e Jules Chauvet, que vinha a ganhar adeptos desde os anos 70 e 80.

Esta nova corrente alerta para o uso excessivo da tecnologia na agricultura, e em especial na produção de vinho, advogando o abandono das técnicas convencionais da enologia: controlo das temperaturas de fermentação, tanques em inox, uso de leveduras inoculadas, uso de sulfuroso, correção de acidez e açúcar entre outras “modernices” que constam do manual de práticas de qualquer enólogo qualificado.

E em Portugal?

No nosso país, como não podia deixar de ser, também há vários produtores que aderiram a esta “nova filosofia” de fazer vinho. Na verdade, estas premissas naturalistas não nos são estranhas. O vinho da talha, tão característico do Sul de Portugal, sempre seguiu de perto, desde tempos imemoriais, esta metodologia de vinificação.

No entanto, nos últimos 5 anos temos assistido ao lançamento no mercado de algumas referências de vinho branco no qual ostentam a expressão “Branco de Curtimenta”.

Será que estes vinhos podem ser considerados e integrados na corrente dos “orange wines” e dos vinhos naturais?

Prova de vinhos brancos de curtimenta portugueses

Quando se iniciou o estudo dos vinhos disponíveis no mercado para a escolha daqueles que estariam em prova, rapidamente constatei que apenas cerca de 20 produtores faziam vinhos segundo esta técnica de vinificação e que a maioria apresenta produções muito diminutas, ou seja, os vinhos brancos de curtimenta são realizados por um nicho de produtores, representam um nicho do mercado nacional e são consumidos igualmente por um nicho de apreciadores.

Uma segunda constação esteve relacionada com a diversidade de tempos de curtimenta dos vinhos nacionais, ou seja, o contacto das películas, grainhas e restante parte vegetal das uvas durante a fermentação pode variar entre 24 horas e mais de 2 semanas.

Depois de escolhidas as referências, 14 vinhos de 7 regiões diferentes, algumas delas apresentadas nesta prova pela primeira vez, selecionei a unidade de alojamento local, Charming House, situada no Porto, para acolher a prova cega na qual participaram cerca de 30 pessoas.

No final da prova pudemos concluir que a quase totalidade dos participantes nunca tinha provado este tipo de vinhos, no entanto, devido às notas dadas, pudemos constatar que foram muito bem recebidos.

Muito embora a diversidade de tempos de curtimenta fosse notória, os vinhos apresentaram uma notória aptidão gastronómica devido à boa estrutura, frescura e acidez.

A quase totalidade dos vinhos que estiveram em prova foram fermentados com temperaturas controladas, leveduras inoculadas, cubas fechadas entre outras técnicas da enologia moderna.  Desta forma, dificilmente podemos afirmar que são “orange wines”. Talvez o termo mais adequado seja brancos de curtimenta.

Este tipo vinificação, apesar de ser ainda residual, usada nos vinhos brancos está a crescer no panorama vínico nacional e muito embora ainda sejam apenas um nicho a vocação gastronómica é inegável.

Artigo inicialmente publicado na revista Paixão pelo Vinho nº 69

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