Quando se pensa na região do Douro e, em especial, no que se relaciona com o vinho do Porto temos a sensação que tudo é dominado pela história: os produtores são centenários, a demarcação existe há muitos anos e mantém-se inalterada; o setor preserva muitas tradições instituídas e são de difícil alteração.
Em boa verdade, tudo isso não andará muito longe da realidade. No entanto, existe uma grande exceção relacionada com os limites geográficos. A linha de fronteira da demarcação da região sofreu múltiplas e tão profundas alterações desde a sua criação, em 10 de setembro de 1756, que nem o próprio João de Mansilha, redator dos estatutos e primeiro “homem forte” da Real Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, reconheceria facilmente a área original.
As influências na demarcação do Douro
Durante a primeira metade do século XVIII houve uma grande procura pelo vinho do Porto nos mercados internacionais, o que originou um grande aumento de preço. No entanto, para satisfazer a procura aumentou-se a produção e com isso a qualidade do vinho foi largamente adulterada. O que por sua vez originou, a partir da segunda metade do século XVIII, uma menor procura pelo mercado Inglês. As exportações decaíram das 19000 pipas vendidas a 48000 reis, em 1737, para menos de 16000 vendidas a 6400 reis, em 1755. Um grande trambolhão económico para a região.
Também é importante referir que o Marquês de Pombal deu muita importância às companhias comerciais, de pendor estatal e com privilégios especiais, que pudessem potenciar uma burguesia ligada aos negócios capaz de competir no mercado nacional e internacional.
As demarcações Pombalinas
Aliando os fatores económicos e políticos, não admira que a demarcação tenha surgido neste período histórico. Ainda assim, é interessante verificar que a região inicialmente demarcada era constituída por 34 freguesias, um terço das quais situadas no Baixo Corgo. Nessa altura as maiores explorações e adegas estariam aí situadas.
Na zona do Cima Corgo havia menor produção de vinhos de qualidade, esta situava-se quase exclusivamente na zona do vale do Pinhão. No entanto, classificaram-se algumas zonas até ao rio Tua. A Sul do Douro a produção era igualmente escassa, ainda assim destacaram-se algumas produções nas freguesias de Cambres, Penajoia, Samodães e Valdigem.
O Douro superior, apesar de produzir vinho, não integrou a demarcação devido à falta de tradição comercial vínica e devido à impossibilidade da navegabilidade do Douro para ultrapassar o Cachão da Valeira.
No entanto, a demarcação da região foi muito para além da demarcação física do espaço. O modelo desenvolveu igualmente instrumentos de classificação e qualificação do vinho bem como a fixação de preços. Na altura havia duas categorias para o vinho de exportação: “vinho de feitoria”, para o mercado Inglês, e “vinho de embarque” para o Brasil e outras localizações no estrangeiro. O modelo previa ainda mais cinco categorias denominadas por “vinho de ramo” que eram destinadas ao consumo nas tabernas da cidade do Porto e do Douro.
Com o passar dos anos, a procura externa aumentou muito e assistiu-se a uma grande procura de vinho do Porto. Concomitantemente, foram plantadas novas vinhas fora da região delimitada, com o passar dos anos constatou-se que seriam capazes de produzir vinhos de qualidade mais fortes e de acordo com o gosto da época. Somando a tudo isto parece que haveria produtores com vinhos produzidos fora da zona a vender vinho como se fosse proveniente da demarcação.
Fontes:
– Moreira, Vital, (1998), O governo de Baco, Edições Afrontamento, Porto
– Pereira, Gaspar(cord.), (2010) História do Douro e do vinho do Porto, Edições Afrontamento, Porto
– Pereira, Gaspar, (1986), Aspectos sociais da viticultura duriense nos fins do século XVIII in Actas das I jornadas de estudo Norte de Portugal-Aquitânia, CENPA, Porto.
– Sousa, Fernando, (2006), A Real Companhia Velha: Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro (1756-2006), S.E., S.D.