Amândio Galhano: A visão e o legado

Mind the Glass
Leitor Wine & Stuff
Credits: CVRVV

Amândio Galhano cedo se distinguiu como aluno brilhante do Instituto Superior de Agronomia de Lisboa. Em 1931, foi-lhe atribuído o prémio “Saraiva de Carvalho”, pela obtenção da mais elevada classificação na cadeira “Patologia Vegetal”.

No ano de 1932, munido com uma licenciatura em agronomia e uma profunda vontade de aplicar os seus conhecimentos científicos, iniciou a sua atividade profissional nas secções de fiscalização e investigação científica da Estação Agrária do Porto. Estavam lançadas as sementes de um novo foco de interesse para o jovem Amândio Galhano.

A atividade profissional desenvolvida, até 1935, esteve ligada ao estudo químico dos vinhos. O interesse e espírito rigoroso pelo tema foram sistematizados em diversos trabalhos.

Percebendo que os seus interesses no campo da ciência podiam ser aplicados com sucesso ao mundo vínico de então, Amândio Galhano decidiu aprofundar as suas competências. Em 1936 decidiu frequentar um curso intensivo de vinificação, na Estação Vitivinícola da Beira Litoral, orientado pelo seu colega e reconhecido enólogo Mário Pato.

O DEALBAR DE UMA ERA

A nomeação de Amândio Galhano, no verão de 1939, para Chefe de Laboratório da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes marca o início de uma era que levou a uma revolução na região e do setor.

A comissão de serviço para a qual foi nomeado revelou-se o gatilho perfeito para realizar trabalhos de investigação, assistência técnica e análises de fiscalização.

A elaboração de um longo plano de estudos, em 1940, sistematizando a evolução química e biológica dos mostos e vinhos elementares, bem como todo o procedimento na vindima, marcou o início de um profícuo efeito sobre a região.

O caráter marcante associado a uma elevada capacidade de trabalho levaram a inúmeras deslocações às vinhas e ao contacto com os produtores. Como resultado desenvolve e nutre uma paixão pela casta Alvarinho que, entre outras temáticas, investiga e desenvolve quase freneticamente.

Quando surge, em 1944, o convite para participar no I Congresso Nacional de Ciências Agrárias, Amândio Galhano levou na mala a paixão pela casta e cinco comunicações para apresentar aos congressistas.

Quase no final da década de 40, Amândio Galhano e Manuel Pacheco de Azevedo – colega de curso no ISA e amigo até ao fim dos seus dias – compraram duas propriedades em Monção. Uma delas, a Quinta de Menanços, foi adquirida a Maria Hermínia Paes, que era a proprietária do icónico Palácio da Brejoeira. Esta apenas produzia vinho tinto, mas rapidamente foi transformada num autêntico laboratório experimental para a produção de Alvarinho, que também vendiam à Real Companhia Velha integrando o Deu-la-Deu.

O prestígio de Amândio Galhano cresceu de forma definitiva no final da década de 40. No entanto, esta não se circunscreveu ao nosso país. Em 1947, a ação internacional do Estado no setor vínico intensificou-se e Amândio Galhano, com apenas 15 anos de carreira profissional, foi nomeado vogal da Comissão Técnica Permanente de Viticultura e Enologia, no âmbito da coordenação nacional e na produção de relatórios no Office International du Vin.

Após a decisão do OIV em elaborar um inventário dos vinhos de denominação de origem de maior interesse para os países, Amândio Galhano preparou uma monografia denominada: Le Vin “Verde” e apresentou-a em Paris, na 28ª sessão plenária da instituição. Este trabalho granjeou-lhe um enorme reconhecimento nacional e internacional.

Nesse mesmo ano foi lançada a importante Campanha de Assistência Técnica à Viticultura e Amândio Galhano, que nunca virou as costas aos desafios, foi nomeado orientador e fiscalizador de alguns núcleos regionais. Desempenhou um importante papel na escrita de palestras que versaram sobre a importância dos cuidados sanitários na adega, material vinário e produção de vinhos da região dos Vinhos Verdes. Estas foram difundidas pelos microfones da Emissora Nacional.

O PRESTÍGIO NACIONAL E INTERNACIONAL ENTRE 1950 E 1970

Em 1950, elaborou um trabalho sobre a implementação nacional das futuras adegas cooperativas e, mais tarde, a Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes enviou o documento para todos os Grémios da Lavoura, servindo de argumento basilar para a criação e localização destas na região. Curiosamente, Amândio Galhano foi um dos sócios-fundadores e primeiro enólogo da Adega Cooperativa de Monção.

O conteúdo seminal das palestras radiofónicas e dos trabalhos em torno das adegas cooperativas revestiu-se de tal uma importância que, na sua essência, perdurariam várias décadas.

Antes do final da década de 50 participou ativamente, já como diretor da Estação Agrária e Vogal do Conselho Regional da Agricultura do Porto, na elaboração do regulamento dos selos de origem que garantissem a autenticidade dos vinhos produzidos.

No início da década de 60 participou na conceção da legislação nacional de aguardentes e foi grande dinamizador da construção de instalações para a destilação de vinhos e aguardentes no Minho. Mais tarde, viria a prestar assistência técnica na preparação das famosas aguardentes vínicas e vinhos da Quinta da Aveleda e da Casa da Calçada.

Já quase no final de década de 70 assumiu o comando técnico do Palácio da Brejoeira e, reunindo todo o seu saber amealhado e tecnologia, criou o mais mediático Alvarinho de então. Mais tarde também esteve envolvido na renovação técnica e tecnológica da Quinta da Pedra.

As décadas de 50 a 70 ficaram igualmente marcadas por dezenas de viagens pela Europa como membro português permanente na OIV e integrando diversos grupos de trabalho, cujas conclusões eram, quase sempre, vertidas em legislação.

Durante este tempo, Amândio Galhano ainda granjeou disponibilidade para escrever sobre temas de enologia e viticultura da região dos Vinhos Verdes e outras. Estes acabariam, muitas vezes, transformados em artigos escritos na língua portuguesa e estrangeira, a solo ou em parceria. Foram contabilizadas 37 publicações, apenas entre as décadas de 50 e 70.

O FINAL DE UMA ERA

No início de 1980, Amândio Galhano era consultor da Comissão dos Vinhos Verdes quando a região enfrentava inúmeros desafios. Como resposta aos reptos impostos empenhou-se profundamente, como consultor principal, para a conceção de uma estação vitivinícola capaz de melhorar qualitativamente a produção de vinhos e desenvolver a sua comercialização. Desta forma, participou na escolha e aquisição do local da instalação do projeto.  

Em 1983 foi entregue uma candidatura com o projeto de criação da Estação Vitivinícola da Região dos Vinhos Verdes. Este obteve aprovação e foi inaugurado, em 1986, designando-se Estação Vitivinícola Amândio Galhano.

Pouco tempo depois retirou-se da vida ativa, mas os seus serviços foram reconhecidos pelo Estado português. Em 1989 foi-lhe atribuído o grau de Comendador da Ordem de Mérito Agrícola, pelo então Presidente da República Mário Soares.

Fechava-se uma era.

Artigo inicialmente publicado na revista Grandes Escolhas em outubro de 2023

Estação Agrícola Amândio Galhano

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado.