É imperativo regional colocar Torres Vedras no mapa das melhores regiões no que respeita a sua agricultura e ao evidente potencial criador dos seus agricultores.
Depois disso então poderemos embandeirar em arco nas interessantes divagações, senão engraçadas classificações,de melhor cidade para viver, para ir ao carnaval ou até para morrer.
Vejamos. Apesar de algumas descontinuidades e inconsistências conjunturais é conhecida a posição cimeira da região no sector vitivinícola desde há décadas e mais recentemente em toda a fileira do sector agro-alimentar, da produção à transformação, do embalamento à comercialização. Foram dados pelo sector, em vinte anos, passos firmes e gigantescos.
Todavia esse insofismável facto não tem corporizado o taldesejado e justo elevador social, como agora o enriquecer e usar gravata é descrito eufemisticamente.
Voltando ao tema, ainda menos conhecida é a sua realdimensão económica e social como importante stakeholder no actual mercado agrícola nacional e internacional.
Na agricultura nacional lato sensu, na pecuária e na transformação agro-alimentar a região exibe resultados económicos ímpares e de grande consistência década após década.
Usufruindo de solos férteis, de uma orografia suave e revelando uma meteorologia atlântica/mediterrânea amena, sem grandes amplitudes térmicas, a região consegue produzir regularmente sem o emprego de grandes tecnologias agrícolas e sem grandes investimentos associados. Nesse particular podemos afirmar de que estamos finalmente a caminho duma utilização mais defensiva dos recursos hídricos e da inadiável acção pedagógica na manutenção dos solos aráveis em boas condições.
É de referir que a região no campo da agricultura semi-intensiva ou intensiva em estufa ou abrigo, é líder na produção de vários produtos hortícolas e frutícolas.
Trazendo o assunto para a escala europeia, mal-grado as diversas PAC´s onde não possuímos argumentos de peso (de escala e/ou valor) válidos na competição com os nossos parceiros da UE, muito pode ser feito quanto ao posicionamento e valor relativo dos nossos produtos agrícolas e da valia turística dos territórios.
Em linha gerais, devemos doravante competir seguindo estratégias e direcções ponderadas, sempre trazendo os nossos parceiros europeus ao conhecimento e à consideração positiva da nossa especificidade de país eminentemente agrícola numa região ultraperiférica.
Somos habitantes do sítio mais ocidental da Europa, qual esporão pelo Atlântico adentro e por essa simples razão geográfica, aliada à tradicional pouca dinâmicaempresarial na área agrícola, estivemos sempre longe da tal agricultura de ponta, da agricultura “excessiva” e dos gigantescos ganhos financeiros do comércio grossista europeu.
Esse facto coloca-nos numa posição privilegiada no contexto presente, em que se valoriza a diferença, a qualidade e a responsabilidade social na produção de bens alimentares.
Todo este envolvimento geográfico, histórico e agrícola deve ter uma ligação íntima com as tutelas e com todos os responsáveis institucionais pelas iniciativas na área da divulgação dos seus produtos agrícolas e em particular dos vinhos da Região Lisboa.
Dito desta maneira qualquer cidadão mais ou menos ligado à fileira do vinho ou apenas visto como consumidor congratular-se-á com o facto da Região Lisboa ter vindo a emergir desde há décadas do contingente geral dos vinhos a granel ou engarrafonados, para o mais exigente “campeonato” dos vinhos engarrafados.
É, portanto, com prazer que se assiste a eventos que pretendem promover e criar uma boa atmosfera comercial para os vinhos da Região Lisboa, em particular os deTorres Vedras e no limite, os do nosso país.
É aqui que a porca torce o rabo. Com a necessária distância dos factos, pensamos ser oportuno vincar os aspectos menos interessantes para a região vitivinícola.
Sem qualquer bairrismo ou regionalismo subjacente, consideramos ser instrumental promover a singularidade dos vinhos da região, destacando-os do conjunto dos vinhos de castas internacionais.
Realizou-se em Torres Vedras em Março de 2022 o 13.º Concurso Mundial de Sauvignon, com a participação da Autarquia e da Comissão Vitivinícola da Região Lisboa.
A competição foi organizada pela consultora e agência de comunicação belga Vinopres, também ela responsável pela organização do Concurso Mundial de Bruxelas.
O objectivo central deste concurso passa por promover a qualidade dos vinhos produzidos nos dois hemisférios com a casta Sauvignon Blanc (SB), incentivar a sua plantação e dar a conhecer ao público as centenas de vinhos à sua disposição no mercado mundial.
Dentro da filosofia criadora do evento foi afirmado na altura pelos seus promotores nacionais, numa sessão de apresentação, de que “este concurso veio consolidar a estratégia de promoção internacional dos Vinhos de Torres Vedras, que foi impulsionada pela Cidade Europeia do Vinho 2018”.
Frases impulsionadoras e generosas, contudo, sem adesão à realidade. Podem ser, digamos, parangonas na criação de um ambiente comunicacional para eventos e festas, todavia não se me afigura de que neste particular, o superior interesse da região, dos seus vitivinicultores ou apenas dos viticultores, tenha sido o objectivo principal do certame.
Não discuto a sua originalidade e interesse turístico numa região deficitária em eventos deste tipo. São bem-vindos e nunca são demais.
O que não deveria acontecer é o evento pretender publicitar e promover o plantio e a utilização de uma casta estrangeira na criação de vinhos com Denominação de Origem Controlada (DOC), no caso a de Torres Vedras.
Diz o texto orientador da acção do organismo certificador, a Comissão Vitivinícola Região Lisboa (CVRL), de que a SB e a Chardonnay (CH) são castas autorizadas na constituição de lotes ou até como vinho extreme.
Esta posição não favorece a implementação e o aumento de áreas de produção das castas nacionais tradicionais, essas sim transportadoras da identidade singular dos vinhos portugueses, desiderato importante na definição do seu posicionamento nos mais exigentes mercados internacionais e nacionais.
Analisando a realidade na vertente exportação, esses vinhos têm pouco espaço fora do chamado “mercado da saudade” que compra SB apenas por ser produzido emPortugal e não por ser uma casta do seu agrado.
Em termos organizacionais e no plano da preparação desse tal ambiente inovador no tratamento dos vinhos de castas autóctones portuguesas, é incompreensível pretender incluir, como parte do futuro da viticultura da Região Lisboa, a classificação desta casta branca como autorizada. Bem como a CH, também ela referida como tal na DO Torres Vedras.
São públicas nas disposições do documento do Instituto da Vinha e do Vinho (IVV) e da CVRL, estas recomendações de plantio como se faltassem ou houvesse alguma dificuldade quanto à utilização de cultivares autóctones de excepcional qualidade. Em particular o Arinto, aquela casta de que existe há décadas o reconhecimento mundial da sua extrema qualidade, tendo a sua origem na Região Lisboa (DO Bucelas).
Numa região onde existem excelentes castas para vinhos brancos e de que se conseguiu há bem pouco tempo e depois de meses de debate com a CVRL e o IVV, a extensão da permissão de utilizar a nomenclatura de “Vinhos Atlânticos” nos rótulos dos vinhos de Torres Vedras, facto que tem provado ser benéfico para osagentes económicos que têm vindo a utilizar a expressão nos seus vinhos.
É esta qualificação marcante e diferenciadora no contexto dos mercados dos vinhos engarrafados. A relevância de uma característica particular nova e única como esta é, favorece a entrada nesses mercados e a apetência comercial de importadores e distribuidores.
Neste contexto, promovemos na Região Lisboa o SB e oCH com que objectivo?
Levar os agricultores a plantar estas castas, prometendo-lhes sucesso comercial, quando é sabido, desde já, que terão poucas hipóteses de o conseguir fora de portas.
Ou será o objectivo vender o SB no pequeno mercado interno nacional retirando quota a castas nacionais?
Olhando para o objectivo primordial do aumento dos quantitativos em volume e valor dos nossos produtos,visamos essa competição na exportação em quantidade e baixo preço com quem? Com a França? com o Chile? com a Espanha? só para mencionar alguns.
E nestes difíceis mercados internacionais dos vinhos de qualidade vamos competir levando os Cab/Char nacionais à liça os históricos brancos franceses (Beaune, Chablis, Sancerre, Touraine, Loire), com os já reconhecidos neo-zelandeses (Marlborough), com a gigante Califórnia (Napa, Sonoma), com a diversa Itália (Trentino-Alto Adige, o Friuli-Venezia Giulia e o Veneto)?
Claramente a resposta é não. Vamos sim competir apresentando vinhos diferentes, oriundos dos nossos “terroirs” atlânticos” e provenientes das nossas ainda pouco divulgadas castas.
Estas questões remetem para uma consciência regional e até nacional do potencial valor duma nova abordagem das tutelas na gestão vitivinícola da Região Lisboa, que deverá ser mais restritiva na definição dos plantios e mais “nacional” no ambiente vitícola em que queremos estabelecer uma presença no mundo dos vinhos.
Mais assertiva na definição de sua diferença, mais exigente no seu enquadramento legislativo e desse modo, ganhadora.
O sucesso de um vinho começa na vinha, conceito antigo que é sempre referido por produtores e público. Incluamos neste paradigma a qualidade das castas plantadas.
Os agentes económicos da Região Lisboa serão, como principais interessados, protagonistas nessa histórica e necessária viragem estratégica.
Quanto mais cedo o fizerem, melhor.
Afonso Marques