Mind the Glass

No princípio do Verão comprei vários livros para ler na modorra da praia, algo que me pudesse abstrair da languidez diária da toalha. Num dos dias, a escolha recaiu sobre o livro que compila alguns dos melhores artigos escritos, ao longo dos últimos 55 anos de carreira, pelo célebre crítico britânico de vinhos, Hugh Johnson.

A certa altura deparo-me com uma crónica na qual descreve a cultura e os vinhos de uma célebre região vínica do nosso país de forma acutilante e atual. Dei por mim a pensar que o autor estaria familiarizado e que gostaria dos néctares que dela provinham. Quando terminei a leitura estava impresso o seguinte: “The Sunday Times, 1967”.

Confesso que fiquei surpreendido com a data e, depois de fazer um rápido cálculo mental, percebi que tinha lido um artigo com 51 anos sobre vinhos portugueses. Apesar de alguma satisfação inicial sentida, devido à atenção positiva que um crítico de craveira mundial teria dado aos vinhos do nosso país, rapidamente a sensação se transformou num misto agridoce entre contentamento e desapontamento. Pousei o livro no felpo e fechei-o. Não conseguia deixar de pensar que, muito embora ele tenha gostado dos vinhos daquela região há mais de 50 anos, ainda hoje o reconhecimento mundial não é o que pretendemos, nem o que merece.

Estas reflexões, apesar de se confinarem a uma região, podiam facilmente estenderem-se à quase totalidade das restantes DOC nacionais. Muito embora, nas últimas décadas tenhamos feito progressos absolutamente extraordinários no campo da viticultura e da enologia, o amplo reconhecimento mundial parece estar sempre a um curto passo de distância. Não faltam artigos escritos, na imprensa nacional e estrangeira de referência, exultando a autenticidade das castas. Também não escasseiam artigos regulares, na blogosfera mundial, escritos por críticos reconhecidos, sobre o crescente aumento da qualidade dos vinhos produzidos em Portugal. No entanto, parece que a explosão mediática que catapultará o prestígio, e as vendas, para junto de referências mais sonantes do novo e velho mundo, está sempre dependente de um qualquer fator, mais ou menos desconhecido, que, vindima após vindima, tarda em acontecer.

Muito provavelmente, esse fator já pode ser identificado. Chama-se Madonna.

As estrelas e o vinho

Antes de começarem a achar que perdi definitivamente o tino e passarem para outra página da blogosfera com um sorriso de escárnio nos lábios, pensem no que algumas estrelas mundiais da música ou do cinema já conseguiram atingir no mundo dos vinhos.

O “rapper”Jay Z catapultou a marca de champanhe Armand de Brignac, em 2006, para o estrelato depois do diretor da Cristal ter revelado que não gostava da notoriedade que esta tinha entre os “rappers” Norte-Americanos. Nos 3 anos seguintes, o preço da garrafa atingiu um preço superior a 400 libras e não conseguiu satisfazer a procura.

As estrelas da sétima arte também não ficaram imunes ao apelo de Baco. Em 2012, Brad Pitt e Angelina Jolie lançaram no mercado o vinho Châteaux Miraval, proveniente da Provence. Toda a produção esgotou em poucas horas após o lançamento.

Ainda nos Estados Unidos da América, a atriz Drew Barrimore também lançou, em 2012, um portefólio de vinhos com assinalável sucesso. Em 2016, a revista Forbes apontava-a como uma das principais figuras responsáveis pelo sucesso dos rosés no seu país. Nesse ano, atingiriam um crescimento de dois dígitos.

Poderia continuar a argumentar com a influência que teve James Bond na promoção de algumas referências de Champanhe (Vouve Cliquot, Dom Perignon, Krug, Pommery e Taittinger), Bordéus (Mouton Rothschild), ou a muito conhecida expressão: Martini “shaken, not stirred”.

O sucesso das personalidades anteriormente referidas é inegável, no entanto o caso da Madonna é absolutamente singular e avassalador. A sua importância e influência é tão desmedida que um académico Francês escreveu o livro “Madonna as Postmodern Myth”, no qual retrata a sociedade como um reflexo da própria artista. No entanto, existem mais exemplos demonstrativos. Langley, em 2008, escreveu no jornal “Daily Telegraph” que Madonna mudou a história social do mundo. A revista “Rolling Stone”, em 2011, descreveu-a como um ícone musical sem par, ultrapassando os Beatles.

Nos Estados Unidos da América, Madonna é percecionada como um verdadeiro ícone da cultura contemporânea, tal como: Marilyn Monroe, Elvis Presley ou a Coca-Cola, o são. A importância dada a esta artista é tão grande que o crítico musical, Cole Rachel, referiu que existe uma probabilidade de 100% de cada ser humano, com mais de 25 anos, ter uma memória específica relacionada com Madonna. Extraordinário!

Madonna e Portugal 

Madonna decidiu sair dos Estados Unidos da América, onde residia, para cumprir um dos sonhos do filho, que quer ser futebolista profissional, e encontrou a resposta na academia de um dos maiores clubes nacionais. Entretanto, já se rendeu ao fado, à cidade de Lisboa, a Sintra, às pessoas e aos passeios de cavalo na Comporta.

Imaginem o que aconteceria se Madonna ficasse rendida aos vinhos nacionais?

Bastaria convencer a artista a publicar uma foto no “Instragram” ou noutra rede social, referindo-se a uma marca portuguesa de vinhos, para que, minutos depois, toda a legião mundial de fãs esgotasse a produção, à velocidade de um clique.

Quem quer aproveitar o fator Madonna?

 

Fontes:

– Jonhson, Hugh, (2016), On Wine: Good bits from 55 years of scribbling, Mitchell Beazley Ed., Londres.

– Claude, Guilbert-Georges, (2002) Madonna As Postmodern Myth: How One Star’s Self-Construction Rewrites Sex, Gender, Hollywood and the American Dream, McFarland & Company Ed., USA.

– Hall, Dennis (2006), American Icons, Greenwood Publishing Group, USA.

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